Quem sabe, um dia Adão teria reunido seus
filhos, Caim e Abel, os primeiros de muitos que teve durante os seus novecentos
e trinta anos de vida (Gn 5.5), para contar-lhes algumas histórias sobre o seu
passado. A sua criação, a posterior e rápida estadia no Éden, bem como a
dolorosa mudança, comumente conhecida como expulsão, formavam um enredo
fascinante capaz de reunir multidões para ouvirem seus relatos. Josefo
descreveu, meio que subliminarmente, a origem de uma pequena parcela destes
possíveis ouvintes:
“Adão ainda vivia e tinha cento e
trinta anos. A morte de Abel e a fuga de Caim fizeram-no desejar ardentemente
outros filhos. E teve mesmo vários: depois de viver ainda oitocentos anos,
morreu na idade de novecentos e trinta anos. Seria demasiado longo discorrer
sobre todos os filhos de Adão”. JOSEFO (Livro primeiro, capítulo 2).
No inicio das narrações, tudo era “motivo
de muita alegria”, pois se tratava de algo inédito, fascinante. Como estaria,
parte da humanidade, diante do primeiro homem? Como encarariam a obra das mãos
de Deus? Aliás, a questão primária era acreditarem com veemência em toda
aquelas histórias. Acreditaríamos ou menearíamos a cabeça negativamente? Ou
ceticamente diríamos, guardando as devidas proporções: “As muitas letras o
fazem delirar”, Adão (cf At 26.24).
Mas que prazer seria a audição daquelas narrações,
da mesma forma Josefo e Van Groninge, respectivamente, descreveram algumas das
partes encantadoras e fascinantes das histórias adâmicas:
“Deus, vendo que Adão estava
sozinho, enquanto os outros animais tinham cada qual uma companheira, quis
também dar-lhe uma consorte. Para isso, quando ele estava adormecido, tirou-lhe
uma das costelas, da qual formou a mulher. E, logo que Adão a viu, percebeu que
ela havia sido tirada dele e que era parte dele mesmo". JOSEFO (Livro
primeiro, capítulo 1).
“Resumindo:
Yahweh Deus revelou que no ambiente que ele tinha preparado, o ser humano tinha
de ter sua casa, executar as suas responsabilidades, e desfrutar de seus
privilégios. A maior bênção dos homens era que foram feitos à imagem de Deus e
foram unidos a ele em amor por toda a vida. As imagens, isto é, o homem e a
mulher, também tinham de refletir todas as virtudes que Yahweh Deus revelou em
relação a ele”. VAN GRONINGE (2006, p. 25).
A expulsão do paraíso não afetou a memória
do casal, pois ainda estavam sublinhados aqueles momentos, poucos ou muitos, em
que estiveram no Éden, na presença do Criador. Particularmente creio que Deus não
sacrificou as lembranças daqueles dois desobedientes, mesmo porque há de se
levar em conta que se tratava de algo muito particular, a vida deles antes e
depois do erro. Os acontecimentos pré e pós queda estavam mentalizados[1]
e guardados na mente do primeiro casal para todo o sempre.
A princípio, seus filhos ouviriam atentamente
os relatos do pai e ficariam admirados com tamanhos privilégios que seus
genitores tiveram, ou acreditaram para não entristecê-lo, haja vista a
insuficiência[2]
de provas ou maneiras de se constatar a veracidade dos fatos.
Mas com o passar dos tempos o fascínio foi
se esvaindo dando lugar a um pequeno princípio de murmuração e porque não dizer
de revolta. Não seria nada de espantoso se Adão ouvisse de seus filhos:
- Como isto foi acontecer, pai?
- Como vocês perderam tamanha benção?
- O que vocês fizeram de tão graves que aborreceu tanto ao Criador?
- E porque Ele não foi misericordioso?
- Porque não puniu somente o verdadeiro culpado?
Certamente Adão olharia para os filhos questionadores e responderia uma a uma, todas as perguntas:
- Foi um momento de fraqueza de minha parte e de sua mãe;
- Fomos enganados por um inimigo feroz, que nos odiou desde o inicio;
- Fomos desobedientes às ordens tão simples. O agravante foi quando, enganados, pensamos na possibilidade de sermos iguais ao Criador (Gn 3.5, p. final);
- Deus foi misericordioso, tanto que somente nos expulsou do jardim, ainda bem que ele não requereu para Si o fôlego de vida que havia me dado (Gn 2.7), sem o qual não seriamos mais almas viventes. E quanto a sua mãe, glorifico a Ele, por não ter voltado ao seu estado original, osso (Gn 2.21) e por ter permanecido ao meu lado com vida e submissa, conforme sentença descrita por Ele ante ao seu juízo (Gn 3.16). Ela poderia ter se revoltado comigo, por tê-la acusado[3] primeiramente do erro, e sumiria nesta terra sem dono, mas pelo contrário resolveu permanecer comigo, honrando o matrimônio realizado pelo próprio Deus;
- Quanto ao culpado, ele foi punido, aliás já estava cumprindo parte de sua pena pelo seu erro (Ap 20.10).
Um dos filhos, ainda mais fascinado pela
história perguntaria: “E para onde foi o tentador? Foi aniquilado? Nunca mais o
veremos? Estamos livres de suas atuações? Ou ele virá novamente nos atacar
também? E porque ele nos odeia tanto?
“Filho, eu e sua mãe fomos considerados a
coroa da glória de toda a criação e através de nós, Deus apresentou ao universo
a família, a maior de todas as instituições terrenas, uma vez que ela não terá
sua funcionalidade nas mansões celestiais (Mt 22.23-33). Vocês são herança do
Senhor (Sl 127.3), este é o motivo de tamanho ódio. Ele está ao nosso derredor,
bramando como leão, procurando alguém para tragar (1 Pe 5.8), provavelmente ele
virá sobre vós, mas não temais: resista, que ele fugirá de vós” (Tg 4.7).
a) Se
estivéssemos lá, ajudaríamos ou atrapalharíamos?
Se já existíssemos, certamente teríamos lhe
avisado sobre o perigo ou imploraríamos para que não desobedecessem a Deus.
Talvez o nosso choro chamaria as vossas atenções e não dariam crédito à “conversa
fiada e mole” do tentador. Certamente impediríamos que comessem do fruto da
árvore da ciência do bem e do mal (Gn 2.17). Se tivéssemos nascidos antes,
vocês não teriam errado!
Adão, conhecedor do mal que praticara,
facilmente teria resposta para este apontamento do filho. “Filho, não é o
homem, a mulher, filhos, ambiente ou situações favoráveis que podem favorecer
ou impedir o pecado. O coração humano é bifurcado, enganoso e tendencioso. Se vocês estivessem lá, fatalmente seriam envolvidos na tragédia. Também
seriam enganados e sofreriam com a perda e, sem sombra de dúvidas, se
revoltariam conosco e com o Criador. Deus sabe todas as coisas”, conforme
descrito por Ellissen:
“Sem
esse registro seria difícil determinar a origem do pecado ou do mal. Gênesis
demonstra claramente que o Criador não criou o pecado ou o mal. Ele surgiu de
dentro do coração de Adão e Eva. A sua causa não foi um mau ambiente, nem a
serpente, ou o fruto da árvore do bem e do mal. Essas não foram as causas, mas
a ocasião. A causa estava no uso egoísta da vontade humana de rejeitar a
vontade soberana de Deus, desobedecendo-lhe. Ao entrar no mundo, o pecado
começou a multiplicar-se imediatamente. Isso é descrito em Gênesis 4-6. Do coração
do primeiro homem passou ao lar e depois a toda a sociedade. O resultado é
descrito em Gênesis 6:11-12: “a terra estava ... cheia de violência” e “todo
ser vivente havia corrompido o seu caminho”. ELLISEN (p. 21).
b) Caim, se estivéssemos ao seu lado, você teria poupado
seu irmão?
Em algum momento da história, o pai
perguntaria ao filho assassino o motivo de tamanha brutalidade. Da mesma forma
como poderia ser questionado, ou se foi, ele poderia reverter ao filho a mesma
pergunta: “Se eu e sua mãe estivéssemos com você, naquele fatídico e trágico
dia, você teria poupado seu irmão da morte”? Eis a prova de que homem, ambiente
ou situações favoráveis não impedem homens de pecarem e desagradarem a Deus,
vejamos:
- O
pecado original foi praticado ainda no Éden, um lugar favorável a
obediência, mas que não tinha por função bloquear a entrada ou coibir a
atuação do inimigo, bem como seu posterior lançamento de sua seta (sereis
iguais a Deus). Isto era e é atribuição humana (resisti e ele fugirá de
vós);
- O
primeiro homicídio (Gn 4.1-8) se deu na terra, fora do paraíso, mas em um
ambiente favorável à adoração e obediência. Partindo do principio que cada
qual entregou seu sacrifício e que retornaram às suas atividades,
pastoreio de animais e cultivo da terra, há de se enfatizar que os
momentos de alegria[4] ainda fluíam em seus
interiores, motivo pelo qual não caberia a brutal reação de Caim ao ver a
rejeição pela sua oferta.
Pela decepção e mudança de
semblante de Caim, creio que mataria seu irmão, pai, mãe e todo aquele que se
intrometesse em seu caminho. Por todo este relato, o certo é que homens,
mulheres, ambientes ou condições favoráveis não nos impedem de pecar.
O mesmo se aplica a primeira
família constituída na terra, pós Éden, uma vez que tanto os filhos quantos os
pais não poderiam e não podem trabalhar e mudar corações que já estão setados
pelo inimigo de nossas almas. A presença dos filhos, no jardim do Éden, em nada
contribuiria para o sucesso da obediência dos pais, pelo contrario, pois
fatalmente seriam atingidos, da mesma forma como acontece nos dias hodiernos.
O ambiente favorável contribuiu
para o crescimento e formação do caráter dos filhos, bem como é parte
integrante na instrução (Pv 22.6), ou não, mas em nenhum momento se transforma
em escudo ou garantia da imutabilidade da nossa santidade, pelo contrário, pode
corromper os corações e desviá-los da direção divina.
Adão poderia garantir aos filhos,
que jamais tornaria a repetir o erro? na primeira ocasião, foram expulsos do
paraíso, em um segundo deslize para onde seriam mandados? Existiria ou existe
lugar “pior’ que esta terra? O primeiro erro foi suprimido pela misericórdia de
Deus, mas o segundo.... “apartai-vos de mim” (Mt 25.41).
“Pelo
que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte [...]
assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para
justificação da vida”. (Rm 5.12, 18)
Referências:
Bíblia de estudo aplicação pessoal. CPAD, 2003.
Bíblia Sagrada: Nova tradução na linguagem de hoje. Barueri (SP).
Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.
Bíblia Sagrada – Harpa Cristã. Baureri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil,
Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2003.
ELLISEN, Stanley A. Conheça
melhor o Antigo Testamento. Traduzido por Emma Anders de Souza Lima.
Editora Vida.
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. De Abraão a queda de
Jerusalém. 8ª Ed. Traduzido por Vicente Pedroso. Rio de Janeiro. CPAD,
2004.
VAN
GRONINGE, Gerard. O progresso da
revelação no Antigo Testamento. Tradução Sachudeo Perdsaud. São Paulo. Cultura
Cristã, 2006.
[1]
Disponíveis para futuras narrações, aprendizado e conscientização das futuras
gerações..
[2] O que
poderia ser usado para autenticar os relatos adâmicos? Fé era a única
ferramenta disponível, pois não havia profetas, escritos, testemunhas além dos
pais.
[3] Algumas
lágrimas cairiam do rosto de Adão ao dizer isto na presença da mulher.
Por: Ailton da Silva - Ano IV
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