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sábado, 3 de agosto de 2013

Saída do Egito (ato único e eficiente). Entrada em Canaã (processo longo e gradativo). Obediência e humilhação – faltaram para Israel


1) A CHAMADA (MESOPOTÂMIA E EGITO) – ATO ÚNICO E EFICIENTE
Assim como houvera acontecido com o então inexperiente e de família idolatra[1] Abraão, que um dia recebeu uma tríplice ordenança, fruto de uma chamada única, direta e especial, que o orientava a largar sua família, seu clã, herança, suas terras e ir para um lugar que não sabia sequer a direção, que seria mostrado a ele bem depois. Saiu primeiro para ver depois[2], bem diferente de muitos, hoje, que somente vão se verem primeiro. Não foi a toa que isto lhe foi imputado por justiça (Gl 3.6).

No tempo de Abraão, somente pessoas extre­mamente pobres e fugitivas abandonavam os familiares e a terra natal. Ele não era nenhum "João Ninguém", que nada tivesse a perder deixando sua terra, sua parentela e a casa de seu pai. Não! O fato de o nome Sarai significar "prin­cesa", e Abrão "pai exaltado", traz a idéia de Abraão pertencer a uma família importante entre os seus contemporâneos. Aos olhos da razão, deixar a própria pátria significava renunciar à herança patrimonial dos pais; deixar a parentela significava renunciar ao clã, e deixar a casa paterna significava renunciar à responsabilidade de liderança da família. Certa­mente Abraão seria o substituto de seu pai no estabelecimento das gerações futuras. E Abraão saiu da sua terra, da sua parentela e da casa de seu pai com uma mulher estéril! Se permanecesse entre seus familiares, poderia até gerar filhos dentre sua parentela, e, assim, conservar sua descendência, mas abandonar tudo em obediência à Palavra de Alguém ainda desco­nhecido era, humanamente falando, uma loucura. Como a fé! A fé é loucura para os que se perdem (1 Coríntios 1.18)”. MACEDO (2001, capítulo 2).

Abraão, respondeu afirmativamente e saiu e seguiu viagem a uma terra desconhecida. Ele não imaginava a duração e muito menos as consequências desta sua decisão. Sua chamada havia sido direta, rápida e sem rodeios: “largue, saia, vá e te darei”, mas o processo para herdar a promessa foi longo e o crescimento por sua vez seria gradativo:

"Então, disse (Deus) a Abrãao: Saibas, decerto que peregrina será a tua semente em terra que não é sua; e serví-los-à e afligi-la-ão quatrocentos anos. Mas também Eu (Deus) julgarei a gente à qual servirão, e depois sairão com grande fazenda. E tu irás a teus pais; em boa velhice será sepultado. E a quarta geração tornará para cá. Porque a medida da injustiça dos amorreus não esta ainda cheia”. (Gênesis 15.12-18).

O cumprimento desta profecia, se podemos assim defini-la[3], se iniciou no momento em que Jacó, sabiamente e muito mais alegre, aceitou o convite do filho[4] para morar no Egito, recebendo de presente de Faraó a melhor parte do território (Gn 47.6).

No inicio, os simples pastores viveram em um paraíso, tudo foi festa, mordomia, respeito, liberdade e muitos outros privilégios, haja vista estar o Egito dominado e governado, naquela época, pelos hicsos[5], povo que soube demonstrar sua gratidão pelos trabalhos e socorro de José, mas com o passar dos tempos, o ambiente foi tornando-se desfavorável.

Após a morte de José, os governantes que vieram após, por desconhecerem os trabalhos do sub-Faraó, um ex-presidiário[6] ou por pura ingratidão mesmo, se esqueceram de todos os seus feitos. Foi neste momento que Israel passou de favorecido e amigo para povo odiado e temido.

Outra profecia começava a ter o seu fiel cumprimento, pois fora previsto por Jacó, antes de sua morte e pelo próprio José que algo de ruim aconteceria mais cedo ou mais tarde, mas que diante de tudo isto, eles seriam visitados por Deus, para serem tirados daquela terra (Gn 48.21, 50.25).

Como Jacó sentia seus últimos dias, fez o filho jurar que o levaria para ser sepultado com seus pais (Gn 47.30) e, por conseguinte, José fez seus irmãos prometerem o mesmo (Gn 50.25). Todos cumpriram[7] e nenhum osso de patriarca hebreu permaneceu no Egito (Gn 50.7-11; Ex 13.19).  

Foram vários os motivo que levaram o Egito a odiar Israel em seu território. Um dos mais fortes foi o fato de adorarem apenas um único Deus, enquanto que eles possuíam uma infinidade de divindades, entre os quais estavam Ápis e Hátor representados respectivamente por um touro e novilha. Talvez isto tenha influenciado os israelitas, já no meio do deserto, a confeccionarem a imagem do bezerro de ouro, justamente com as riquezas[8] ganhas (Gn 15.14; Ex 12.35), já que a gastaram quando deram alegres e confiantes, para a grande campanha: “Faça você mesmo o seu bezerrão e reconduza ao Egito o seu coração”.

Outro fator, o determinante, foi crescimento demográfico de Israel, que assustou o governante egípcio. Aquele pequeno clã[9], se multiplicou e atingiu o espantoso número de seiscentos mil varões sem contar os meninos e estrangeiros, no momento da saída (Ex 12.37) e seiscentos e um mil e setecentos e trinta, contados de vinte anos para cima preparados para a guerra (Nm 26.2, 51). A multiplicação no deserto, proporcionalmente[10] foi bem superior. Qual foi o motivo deste crescimento em pouco mais de quatrocentos anos? O solo fértil, as condições encontradas na melhor região[11]? Eles receberam de presente das mãos do próprio Faraó, o grande e grato amigo de José.

O medo dos egípcios era de um dia se aliarem aos inimigos ou de os dominares, por isto resolveram escravizá-los e afligí-los, para se cumprir a primeira parte da Palava do próprio Deus: “decerto que peregrina será a tua semente em terra que não é sua; e serví-los-à e afligi-la-ão quatrocentos anos”, mas os algozes se esqueceram da segunda parte, a principal, que dizia respeito a eles: “[...] Eu (Deus) julgarei a gente à qual servirão, e depois sairão com grande fazenda”.

A partir deste momento, o povo que aproveitou a oportunidade no Egito para criar e apascentar seus rebanhos, foi forçado a trabalho pesado, construção de monumentos[12], cidades estado para administração, organização e proteção egípcia. Foram cerca de quatrocentos e trinta anos de servidão e sofrimento, mas não deveriam se preocupar, pois esta situação deixava claro que se aproximava o socorro de Deus, se aproximava o tempo da benção (At 7.17).

2) ENTRADA EM CANAÃ – PROCESSO LONGO E CRESCIMENTO GRADATIVO
Israel foi então ouvido e visitado por Deus, apesar que muito dos hebreus sequer conheciam o Eu Sou, pelos menos alguns poderiam não saber o seu nome (Ex 3.13), mas isto não seria impedimento para cumprimento do que houvera sido vaticinado por Jacó e José. Estava prestes o cumprimento da profecia. Se aproximava o tempo da benção, se aproximava o tempo que os filhos de Abraão definitivamente tomaria posse de suas terras.

O sofrimento aumentou depois da manifestação de Deus e da primeira visita de Moisés como embaixador da Terra Prometida, mas muito maior era (glória a Deus) o temor, que aumentou entre os egípcios após as pragas que seguiram.

Mas nada que pudesse ser considerado a alegria monumental, nunca vista na terra antes, no momento da saída. Que satisfação! Naquele dia o Egito parou para contemplar o desfile dos vitoriosos, alguns rangiam os dentes de raiva, juravam vingança, outros corriam deles, e alguns desejaram boa viagem, algo do tipo: “vão com seu Deus e sumam da nossa terra”.

Imagino algumas mães e pais egípcios, ainda chorando pelas mortes dos seus primogênitos, balançando os lenços e toalhas brancos em suas janelas, como sinal de rendição. Eles, na verdade, estavam meio que timidamente, glorificando o verdadeiro e único Deus.

Os hebreus passavam pelas ruas e desafiavam os egípcios com seus olhares, agora altivos, se sentiam fortes e não demonstraram mais fraquezas. A conversa agora seria diferente. Era como se estivessem gritando em bom e alto som para todos ouvirem: “QUEM MANDOU MEXER COM O NOSSO DEUS”.

Saíram realizados, confortados, sarados espiritualmente, fortalecidos, renovados. Somente havia uma coisa que era maior que esta alegria, a certeza de que a caminhada seria curta e que chegariam logo ao destino, a Terra Prometida.

Acreditavam que depois de tamanha demonstração de poder, seriam facilmente[13] direcionados à Terra Prometida:
·         Seriam transladados e ou arrebatados como Enoque (Gn 5.24)?
·         Sairiam voando, criariam asas?
·         Teriam à disposição, após a primeira duna, os carros de Israel e seus cavaleiros (2 Rs 2.12)?
·         Seriam elevados às alturas como Jesus (At 1.9)?
·         Encontriam, logo na saída uma comitiva de boas vindas ao deserto, composta por anjos, assim como encontrou Jacó (Gn 32.1-2)?

Toma vergonha na cara Israel! Nada vem de mão beijada. Tudo tem o seu preço. Reparem que os patriarcas anteriores, todos pagaram[14], porque então o filho (Ex 4.22) não pagaria? A igreja tem ciência e aceita tal condição (Mt 11.12), porque eles desejaram o contrário? Porque desejaram o caminho mais curto? Mal sabiam que se margeassem o Mediterrâneo certamente encontrariam os avançadíssimos e temidos filisteus?

a) Crescimento gradativo
Quando saíram do Egito, cheios de vigor e alicerçados por grandes promessas, jamais imaginaram uma viagem tão longa e de fato não teria tal necessidade, mas Deus prolongou ao máximo, pois Israel revelou seu verdadeiro caráter.

Seguiram o caminho traçado por Deus, o mais longo, porém necessário, já que para ficar marcado na história de Israel e do Egito deveria ser uma ação grandiosa. Se tivessem seguido pelo caminho curto, de poucos dias, certamente não veriam as grandes operações e manifestações das misericórdias em suas vidas. Quantos milagres deixariam de contemplar sem contar que não teriam a certeza da chamada.

Pelo caminho curto, os egípcios seriam eliminados, os filisteus, seus futuros inimigos, seriam evitados e quando chegassem em Canaã já teriam a experiência e estrutura para suportarem e reprovarem a conduta pecaminosa dos cananeus, sem contar que já teriam forças suficientes para lutarem pelas suas próprias terras.

No deserto, o caminho mais longo (Ex 13.17-18), Israel revelaria o seu caráter, aprenderia a diferenciar a carne do espírito, conheceria definitivamente o seu Deus (Dt 8.2-14) e seria conhecido (Os 13.5) e por fim desenvolveria a dependência total dos recursos divinos.

Esta foi a promessa feita a Abraão, a qual garantia, a partir dele, o surgimento de uma grande nação, e não que ele seria a grande nação, ou seja, o cumprimento de tudo aquilo ele não veria em vida, veria somente pela fé, mesmo porque como seria possível, já que estava ao lado de uma mulher estéril? Ele andou com Deus, aprendeu, cresceu e o mesmo aconteceu com Israel (Dt 8.2).

Com paciência ele alcançou a promessa, mas esperando, nunca murmurando: "E assim, esperando com paciência, alcançou a promessa" (Hb 6.15). Foi tirado de sua terra, família, mordomia e de um local que lhe dava certa garantia de futuro.

Com Israel podemos dizer o mesmo, pois em meio ao sofrimento e escravidão, eles tinham algumas vezes, a água, teto, comida, pelo menos declararam isto a Moisés em pleno deserto, aliás nesta ociasão eles apresentaram ao mundo as suas três maiores mentiras, pois não tiveram nada do que arguentaram a Moisés (Ex 14.12; 16.3; Nm 11.5). A única perda foi justamente a terra fértil que deixaram para trás, que serviria para cobrir seus corpos inertes e sem vida, somente isto, eles perderam a terra da própria cova.

“Tirá-lo dali e ensiná-lo a viver na dependência da sua fé nas promessas de Deus era fundamental para a criação de uma nação forte, invencível e inabalável. Por outro lado, para sair pelo deserto em direção a uma terra indefinida, sem mapa e sem pista, era realmente um desafio à sua crença. À primeira vista, Deus não lhe deu nenhuma orientação por onde deveria começar, muito menos a direção Norte, Sul, Leste ou Oeste. Primeiro ele teria de sair de onde estava, e a partir de então o Senhor iria lhe encaminhando. Abraão teria de aprender a depender do pão-nosso-de-cada-dia, dia após dia, pelo deserto”. MACEDO (2001, capítulo 2).

A saída foi incondicional, mas a entrada em Canaã foi bem diferente. Durante o caminho, Israel conheceu as condições. Foram muitos os avisos.  A eles foi antecipada a determinação divina (Nm 14.29-30), relembrada por Moisés e pelo seu sucessor depois que foram cumpridos os avisos de Deus (Dt 2.14, Js 24).

Saíram felizes e às pressas sem preparação, apesar de terem comemorado a liberdade antes (Ex 12.1-11). Que alívio ao se sentirem definitivamente livres do Egito, tanto que se esqueceram do verdadeiro propósito[15] da salvação. Viram muito milagres, porém não herdaram a benção. Fizeram muito durante a caminhada, lutaram, enfrentaram inimigos, foram valentes, mas faltou-lhes a genuína conversão. Saíram pensando somente na liberdade com o fim do sofrimento. Ganharam muito na saída, no entanto, perderam muito mais na metade do caminho (Nm 14.29-30, cf Dt 2.14).

Na verdade não atentaram para o processo longo e crescimento gradativo que se daria em pleno deserto. Desejaram que tudo fosse facilitado. Não aproveitaram as oportunidades. Faltou neles a busca e o desenvolvimento de algumas virtudes, presentes na vida dos salvos em Cristo. Humildade para reconhecerem os erros e limitação e obediência à vontade de Deus.

Referências:
Bíblia de estudo aplicação pessoal. CPAD, 2003.

Bíblia de Estudo Temas em Concordância. Nova Versão Internacional. Rio de Janeiro. Editora Central Gospel, 2008

Bíblia Sagrada: Nova tradução na linguagem de hoje. Barueri (SP). Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.

Bíblia Sagrada – Harpa Cristã. Baureri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2003.

MACEDO, Edir. A fé de Abraão. Rio de Janeiro. Editora Universal, 2001.


[1] Conforme Josué 24.2-3
[2] A visão da terra (Gn 12.7) não foi imediata à chamada (Gn 12.2), aconteceu tempos depois.
[3] Uma profecia é caracterizada pela instrumentalidade humana, neste caso foi o próprio Deus que tratou com o patriarca Abraão.
[4] O filho que julgava morto. Segundo seus outros filhos uma besta fera o havia matado. Realmente foram bestas que tentaram matá-lo (bestas humanas, os seus próprios irmãos).
[5] Hicsos, povo semita que invadiu o Egito, pelo Istmo de Suez, por volta de 1730 a.C., dominando por quase dois séculos. Eles possuíam cavalos e carros de combate, desconhecidos no Egito.  
[6] José acordou em uma fria prisão e dormiu no confortável quarto no palácio tormando decisão. Isto tudo no mesmo dia.
[7] Promessa feita a um patriarca tinha muito peso. Deveria ser cumprida.
[8] Perderam toda a riqueza logo na primeira oportunidade, pois o bezerro foi quebrado, queimado ou destruído, já que aquela abominação não poderia continuar entre eles. Se os idólatras foram mortos, imagine o que aconteceu com a escultura.
[9] 66 almas (Gn 46.26), ou 70 (Gn 46.27; Ex 1.5) ou ainda 65 almas (At 7.14), mas o importante é que foram e usufruíram das acomodações egípcias.
[10] Foram 430 anos no Egito e 40 anos no deserto. Isto sem contarmos os milhares que morreram vitimados pelas pragas, fruto das murmurações.
[11] Eles receberam uma das melhores regiões para habitarem (Gn 47.11)
[12] Muitas destas construções é provável que exista ainda, mesmo que em ruínas.
[13] Se entrassem facilmente em Canaã, cetamente se considerariam pequenos deuses (cfe Sl 82.1-8)
[14] Todos eles pagaram o preço em meio ao deserto.
[15] Deus não estava libertando um povo somente para sentirem o gosto da liberdade. Ele estava libertando um povo para ser sua propriedade particular (Ex 19.5).

Por: Ailton Silva - ano IV - caminhando para o ano V

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