Abraão: Primeiro patriarca.
Deus falou com ele.
“Saia da tua terra e da tua parentela.”
Abraão[1] foi chamado e recebeu a
maior promessa de sua vida, a possessão das terras de Canaã, ora habitada pelos
descendentes de Cã, filho de Noé.
Abraão, filho de Terá, irmão de Naor e
Harã. De Ur dos caldeus, partiu para Harã e depois para as terras de Siquém.
Deixou para trás um passado idólatra[2] e de ignorância, que não foi
capaz de manchar a sua chamada. A partir deste momento sua história tomou novos
rumos.
Deveria sair
daquele lugar, deixar a sua parentela e esquecer definitivamente tudo o que
havia aprendido e vivido naquele universo idólatra, uma mudança radical. Creu e
saiu primeiro para ver a Terra Prometida depois e isto lhe foi imputado por
justiça.
Abraão não
titubeou entre dois pensamentos, pois estava ciente que seu tempo naquele lugar
havia acabado. Deus nunca havia se manifestado[3]
entre os humanos com mensagens e promessas daquele porte.
As promessas
reveladas a Abraão, ainda em Ur dos Caldeus (At 7.2) e depois confirmadas em
Harã (Gn 12.1-4), foi a primeira e única manifestação intensa e clara de Deus
aos homens.
A sua jornada
seria longa, onerosa, cansativa e, pela fé, pois não fora revelado o local
exato, a latitude, longitude, direção e tampouco a duração da viagem, apenas
ainda ecoava em sua mente: “largue, saia, vá que Eu te mostrarei”. Deus
prometeu abençoar durante a viagem e garantiu que seu nome seria engrandecido,
mesmo que fosse esquecido pelos parentes.
Na época, era
comum, os pobres ou fugitivos largarem, abandonarem familiares e terra natal,
mas não era este o caso de Abraão, pois não se tratava de um “João ninguém”.
Ele fazia parte de uma família importante.
A promessa recebida dizia respeito à
posse definitiva daquelas terras, já habitadas por outros povos, que até então
não faziam questão ou não reconheciam a sua importância e também foi prometido
um filho e uma grande nação, por isto, saiu confiante, largou família,
mordomias e, principalmente deixou para trás lembranças idólatras, para
peregrinar.
Abraão, a partir do momento que decidiu
obedecer às ordens de Deus, experimentou um período de ganhos espirituais,
jamais proporcionado a outro homem, mas antes disto vivenciou mudanças
drásticas no campo familiar. Deixou amigos, parentes, a segurança e recursos
materiais para peregrinar por terras desconhecidas. Habitou entre os cananeus,
pessoas de má fama, por fim enfrentou a fome ao chegar a Canaã, e peregrinou ao
Egito.
Uma experiência espiritual inédita. Como
crer tão de repente em mensagens daquela natureza? Creu e seguiu viagem rumo à
Terra que lhe havia sido prometida durante as revelações.
Durante a
caminhada recebeu novamente a visita de Deus para lhe confirmar a promessa e
ratificar o seu desejo de vê-lo longe daquelas terras idólatras. Aquelas
revelações serviram para Abraão contemplar aquilo que seria, num futuro bem
próximo, o fruto de sua semente, Israel, tudo teria início a partir dele.
Mas o patriarca esteve o tempo todo ao
lado de uma esposa estéril. O que poderia esperar de bom, principalmente sobre
a continuidade de sua semente? Talvez entre sua parentela pudesse encontrar
outras mulheres que lhe dessem filhos. Não esperava isto.
Saiu de suas terras acompanhado de seu
sobrinho Ló, contrariando as ordens de Deus. Talvez o tenha levado por ser
filho de seu irmão falecido Harã, pela simpatia, presteza ou por algum outro
interesse, tornando-o em seu herdeiro legitimo, até aquele momento, mas isto
não seria por muito tempo, pois logo seriam separados por providência Divina. O
plano era com ele e sua família e não com os seus parentes. O mal precisava ser
cortado pela raiz.
Deus fez uso de duas táticas para
separá-los, a primeira foi através dos desentendimentos que ocorreram entre os
pastores de Abraão e Ló. Na verdade as contendas deveriam ter um fim e não
poderiam se prolongar, pois afetariam o caráter de ambos, além do mais as
brigas poderiam abrir oportunidades para os inimigos atacarem. Os dois deveriam
ser diferentes dos habitantes daquela terra. Não seria bom serem coniventes com
aquelas desavenças.
A segunda tática usada por Deus foi uma
prática desconhecida pelos humanos e que não deixou sequelas, rancores ou
tristezas entre eles, situação esta que seria inevitável caso a separação
ocorresse por intermédio de ações humanas.
Deus levou os dois para um lugar de onde
puderam avistar toda aquela terra e deu a oportunidade para que escolhessem o
próprio caminho.
A separação não se deu por brigas,
disputas, mas Deus os separou por um ato tão sublime, incompreensível ao nosso
entendimento. Eles foram separados pelos olhos.
Os dois contemplaram o vasto território.
Ló viu as mais belas e verdejantes campinas do Jordão, bem regadas, pelo menos
antes da destruição[4]. Era
um sinal de prosperidade, riqueza, beleza e bem estar. Seus familiares
gostariam da escolha e aprovariam a separação.
E Abraão o que viu? Pela fé viu uma
vegetação rara, rasteira, lugares secos, lagos e rios minguando, dores,
tristezas, rancores, angústias, solidão, mentiras, desavenças, problemas e
mortes, mas também viu bênçãos, milagres, providências, operações de
maravilhas, misericórdia, grandes intervenções de Deus na sua família e
descendência.
Enquanto um enxergava apenas mato e
gostava do que via, pois estava preocupado apenas com o bem estar do seu
rebanho, o outro contemplava as promessas, ou seja, o futuro de sua
descendência, que seriam milhares como as estrelas do céu e a areia do mar. Era
a continuidade do plano de Deus em sua vida e na sua família. Entre o presente
e o futuro Abraão não teve duvidas, escolheu o melhor, o futuro.
A escolha[5] desastrosa de Ló foi fruto
de sua cobiça, pois pensou somente no bem estar de seu rebanho. Em nenhum
momento se preocupou com sua família ou demonstrou alguma preocupação.
Seus olhos carnais deram instantaneamente
a resposta para o seu coração: “escolha o bonito, escolha a melhor parte”. Ló se
mostrou completamente diferente de seu tio.
Ficou com a melhor parte, aparentemente,
pois naquele momento e durante algum tempo, foi uma terra vistosa, verdejante,
prazerosa, mas como todo resultado de visão carnal é enganosa, não demorou para
que fosse revelado o lado sombrio de Sodoma e Gomorra.
O que era feio poderia ficar bonito. O
que não agradava, poderia agradar com o tempo. O que provocava choro poderia
ser tornar motivo de muita alegria, algum dia. Esta era a esperança de Abraão e
certamente foi motivado a concordar com a escolha do sobrinho. Não questionou.
A escolha de Ló deixou claro que a fé e
prosperidade estava presente na vida de Abraão e não na dele. Em nenhum momento
o patriarca imaginou que o lado escolhido pelo sobrinho pudesse ser o local que
Deus havia prometido.
Ló aceitou a proposta, se tivesse visão
espiritual teria preferido viver ao lado do tio e teria sustento, socorro e
prosperidade até o fim de sua vida. Acampou aos arredores de Sodoma e com o
passar dos tempos, diante do comodismo, acabou se mudando para a cidade. Ficou
com a melhor parte do acordo, mas lá no fundo Abraão gritou: “mesmo na pior
parte eu darei e farei o melhor para Deus”.
Mas, no que parecia bom se tornou o
principio das dores e o maior sofrimento[6] da vida de Ló. Neste caminho
tão bonito, verdejante, perdeu bens, prováveis amigos, esposa, ficou distante
do seu tio, o seu melhor amigo, suas filhas corromperam o caráter e por fim,
para completar, viu surgir na humanidade as duas nações que se tornariam inimigas
do povo de seu tio. A escolha de Ló foi um verdadeiro desastre. Poderia ter
pensado melhor.
A separação realmente não deixou rancores
entre tio e sobrinho, prova disto foi o fato de Abraão ter se levantado com
seus criados para resgatar Ló das mãos dos quatro reis que guerreavam contra os
reinos daquela região.
Outro fato que comprova a boa relação dos
dois mesmo com a separação, pelo menos por parte de Abraão, foi quando o
patriarca clamou a Deus em favor de Ló, após ser avisado sobre a destruição de
Sodoma e Gomorra.
Anos mais tarde a história se repetiu e
novamente estavam os descendentes de Abraão e Ló, frente a frente e diante de
uma decisão dura que mudaria a vida delas. As viúvas Noemi e Rute, sogra e
nora, estiveram diante de um grande dilema, mas tomaram decisões sábias.
A sogra querendo devolver a nora aos
moabitas, seu povo e seu “mundinho de antes”, enquanto que ela desejava
ardentemente conhecer e se tornar propriedade do Deus de Israel. Nesta ocasião,
a falta de visão que faltou a Ló sobrou para Rute que tomou a melhor decisão de
sua vida e viu tudo mudar.
Após a separação, Abraão continuou sua
jornada, mas agora sentia algo diferente, tinha a certeza de que estava no rumo
certo, não restavam dúvidas e já se sentia um legitimo cidadão dos céus, porém
faltava algo para completar a bênção de Deus.
Continua...
[1] Deus
trocou o nome de Abrão para Abraão (Gn 17.5) e implantou sua intenção no
coração dele.
[2] Passado
idólatra da família do patriarca Abraão, atestado por Josué (Js 24.2).
[3] Deus havia se
manifestado anteriormente somente para atribuir tarefas (no Éden), corrigir
problemas (pecado original) e para revelar todo o seu sentimento em relação a
sua criação (revelação a Noé).
[4] Antes
da destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 19.24).
[5] Ló fez
a sua escolha e separação do tio foi inevitável. Anos mais tarde a história se
repetiu com Rute, a moabita, descendente de Ló, que diante da mesma situação
preferiu continuar junto e não se separou de sua sogra Noemi.
[6] O
bonito ficou feio, a riqueza se perdeu ante a destruição de Sodoma e Gomorra.
(Gn 19.24-38).
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