Isaque: Filho unigênito ou o segundo?
O sacrifício imperfeito não consumado
Abraão ainda
estava emocionalmente abalado, pois havia despedido seu primeiro filho, Ismael,
juntamente com sua mãe, mas agora passaria por uma experiência dolorosa, nunca
vista antes. Deveria ser forte e fiel, mesmo que isto lhe custasse a vida[1] de
seu único filho.
Aliado a tudo isto ainda havia a
problemática de sua idade, como poderia imaginar tendo outros filhos, para dar
continuidade à sua semente, caso Isaque não estivesse mais entre eles?
Os dois, pai e filho, foram protagonistas
de uma das mais belas demonstrações de obediência a Deus registrada na Bíblia e
este acontecimento marcaria para sempre suas vidas, pois foi o momento de maior
tristeza vivido pelos dois, até então.
A separação de sua parentela no passado
não foi tão cruel para Abraão (Gn 12.5) ou a partida do seu neto Jacó, no
futuro, haveria de ser tão dolorosa para seu Isaque (Gn 28.1-2), quanto aquele
momento. Ali estava em jogo a vida de um filho e a fé[2] de um pai.
Deus pediu que entregasse o seu filho em
sacrifício, não o primogênito ou o segundo, mas sim o unigênito, mas ao mesmo
tempo revelou ao patriarca a chave da vitória, a dica para que ficasse
tranquilo e confiante.
Ao mencionar Isaque como “unigênito”,
Deus estava querendo dizer: “Calma, este filho é o seu unigênito, você não tem
e não terá outro e tampouco terá outro para cumprimento das promessas”. Esta
declaração, em toda a história da humanidade, acalma e acalmou o mais aflito de
todos os corações.
Deus entrou na mente, no coração e sondou
o interior de Abraão e o patriarca, confiante, iniciou sua caminhada. Obedeceu
mesmo com o coração condoído e durante a caminhada veio a lembrança das
promessas feitas no passado. Como se cumpririam caso o menino fosse
sacrificado? Teria outro filho ou Ismael voltaria e requisitaria para si todos
os direitos de primogênito e único filho vivo?
Ismael foi o primeiro filho e Isaque o
segundo, mas como Deus requereu o filho unigênito para aquele sacrifício? Os
direitos e honras do primogênito foram anulados pelo aparecimento do unigênito[3]? Ou
Deus havia se esquecido deste detalhe?
Abraão não conseguia entender[4] a
vontade de Deus para a sua vida e a única solução foi trancar-se na solidão da
sua alma e seguir adiante.
Foi difícil Isaque não atentar para o
peso da angústia que seu pai estava carregando e a princípio também não
entendia tamanha tristeza, pois estavam prestes a sacrificarem a Deus, isto deveria
ser motivo de alegria e não de tristeza, mas como era submisso continuou
calado.
O silêncio foi quebrado, quando o filho
perguntou ao pai sobre o animal para o sacrifício, já que não estavam levando
nenhum. O cordeiro será provido no momento certo, esta foi a resposta de
Abraão, confiante na providência Divina.
O coração de Abraão estava angustiado.
Como revelaria o filho que ele seria o cordeiro daquele sacrifício? Pior seria
tirar-lhe a vida. Como reagiria ao vê-lo inerte sobre o altar? No silêncio foi
possível ouvir os pássaros, os ruídos do campo e o barulho das lágrimas
internas do pai que não foram fortes para escorrerem pelos seus olhos.
Mas que espécie de sacrifício racional
seria aquele? Tristeza em vez de alegria? Perdas em vez de ganhos? Derrotas e
não vitórias? Era isto que receberia por ter posto a mão no arado? Era isto que
Deus havia reservado a ele por ter se anulado?
Desde a sua chamada, a sua única
preocupação foi com a formação e preservação da nação prometida. Sua vida,
jornada e fé foram essencialmente baseadas e firmadas nas promessas, não tinha
mais vontade própria ou objetivos pessoais.
E o que recebia por toda a sua dedicação?
Rótulo de assassino, louco, fanático, extremista entre outros. Sara o apoiaria?
E os parentes o taxariam ainda mais, ou dariam graças, aos seus inúmeros
deuses, por Abraão estar tão longe. Ló certamente diria que havia recebido um
livramento a tempo, após a separação dos dois.
Quantos pensamentos, em fração de
segundos? Quantas perdas materiais e espirituais? Seria melhor a rebelião e a
fuga para bem longe. Mas para onde? Sabia que isto seria impossível, então o
jeito foi se entregar cem por cento ao chamado sacrifício racional.
Foram várias as questões sem respostas durante a caminhada, porém as únicas duas perguntas que não foram feitas eram exatamente as que tinham as respostas prontas. Abraão poderia ter perguntado a Deus: “É possível um pai ou uma mãe esquecer um filho”? A resposta seria imediata, direta e afirmativa: “O pai e a mãe podem esquecer, mas Eu jamais esquecerei ou abandonarei”.
A segunda pergunta poderia ter sido feita por Isaque ao seu pai, pois ao vê-lo triste diria: “Qual o motivo de tamanha tristeza? É devido a demora pelo cumprimento de todas as promessas de Deus”? A resposta de Abraão poderia ser: “Não é pelo cumprimento que eu clamo filho, é pelo livramento que está demorando”.
[1] O altar
estava esquecido. Muitos banquetes e poucos sacrifícios após o nascimento de
Isaque (Gn 21.8).
[2] A fé do
pai ajudaria a salvar a vida do filho.
[3] Vide
teoria da inversão no capítulo 3.
[4] Abraão
deveria deixar no altar o filho que não queria deixar, que então não ficaria
mais sob seus cuidados.
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