A MURMURAÇÃO
Os hebreus partiram em direção à Terra
Prometida, cada vez mais confiante nas intervenções de Deus. A certeza era que
sempre seriam socorridos, quando estivessem com problemas, nada mais justo,
para um povo, que até então, não havia levantado um dedo sequer para se
defender ou para mudar o caos.
Muita confiança e pouca demonstração de
conversão. Era esta a situação espiritual dos hebreus. Seria inadmissível
imaginarem que o tão sonhado território seria avistado e pisado logo aos
primeiros dias da caminhada. Até poderia ter sido, caso Deus tivesse permitido
que repetissem o caminho feito por José, quando da sua ida como escravo ao
Egito. Seriam poucos dias, mas por outro lado estariam vulneráveis aos ataques
dos avançados, temidos e bem aparelhados filisteus. O caminho mais curto seria
também o mais perigoso.
Israel ainda não estava preparado para
enfrentar um inimigo deste porte. Seria melhor dar a volta e enfrentar
opositores não tão poderosos, assim ganhariam experiência, que seria útil,
quando adentrasse Canaã, já que ali a luta seria ferrenha.
Para quem havia visto a maior potência da
época sucumbir diante de seus olhos, que fim imaginavam para estas pequenas nações
que se atreveram a barrar a caminhada em direção à Terra Prometida.
Já refeitos do grande susto, após o
desfecho no Mar Vermelho, os hebreus seguiram viagem em direção ao deserto de
Sur, lugar hostil, onde avistavam somente pedras e areia.
Andaram por três dias e não encontraram
água. Outro grave problema a vista, mas estavam tão confiantes nas providências
de Deus que se imaginaram vencendo toda e qualquer dificuldade. A qualquer
momento o extraordinário aconteceria em favor deles, seria questão de tempo, no
entanto, pela primeira vez foram vencidos por um pequeno detalhe,
insignificante e de grandes proporções, ao mesmo tempo, algo de vital
importância para a sobrevivência naquele deserto, a falta água doce.
Um alívio parece ter assaltado o coração
deles quando avistaram águas, mas a decepção veio na mesma velocidade da
alegria. Faltou coragem como no mar Vermelho, pois tanto ali quanto lá, não
apareceram os corajosos, os valentes para serem os primeiros a entrarem no mar
seco ou para tomarem aquelas amargas águas.
Foi muito fácil cantar depois de verem os
egípcios mortos na praia ou foi ainda muito prazeroso descansar sob as sombras
da palmeiras de Elim com fartura de água doce, mas o difícil foi enfrentar as
duas situações anteriores.
Praticamente seriam obrigados a tomarem
águas amargas, portanto não estavam errados em reclamarem, estariam sim, caso a
água fosse boa para o consumo ou se tudo estivesse correndo bem, mas naquelas
condições não aceitaram o que estava sendo oferecido. A visão deles contrastava
com o desejo de Deus.
Teria sido esta a primeira murmuração com
fundamento? Foram corretos em transparecer a insatisfação? Quem poderia
questioná-los? O que mais se ouvia no meio do povo era: “Que Deus é este? O que
Ele está querendo de nós? Por que nos tirou do Egito para morrermos no
deserto”?
Onde encontrar água para saciar a sede de todos? De onde e como apareceria água potável? Mesmo que todas as janelas do céu fossem abertas, ou que águas brotassem[1] da terra, jamais seria suficiente. Como crer no impossível? Por isto foram impelidos ao deserto, por Deus. Naquele lugar conheceriam quem era o “Eu Sou”, o Único e verdadeiro.
“Então chegaram a Mara; Mas não puderam beber as águas de Mara, porque eram amargas: por isso chamou o seu nome Mara. E o povo murmurou contra Moisés dizendo: Que havemos de beber?” (Ex 15.23-24).
Bateram na porta e nada, buscaram e nada
encontraram. Pediram e não receberam. Então que tipo de reação poderia vir de
todos aqueles desesperados?
O fato de somente encontrarem águas
amargas provocou um princípio de revolta, dando origem a mais uma murmuração,
já que naquela fração de segundo se esqueceram que aquela situação era nada se
comparada ao que já tinham passado.
Se esqueceram das operações no Egito ou
da abertura do mar Vermelho? Para quem havia visto obras maiores e agora diante
de uma situação, até certo ponto em relação às anteriores, de menores
proporções, duvidar que Deus pudesse transformar aquelas águas amargas em doce,
é realmente inadmissível. Somente uma palavra seria suficiente para mudar
aquele caos.
Os hebreus se deparavam novamente com uma
dúvida cruel, a fidelidade seguida da bênção ou a incredulidade e desaprovação
por parte de Deus? Se conseguissem suportar e mostrar-se-iam fiéis, seriam
livres das enfermidades[2],
caso contrário sofreriam, tal como Egito sofreu.
Esta foi uma murmuração que poderíamos
considerar justa, pois além da água ser de essencial importância para vida
humana, teríamos que levar em conta outra questão. As águas sendo amargas não
era de todo o maior problema, mas sim o fato ser a única opção e para piorar a
situação, estavam sendo empurrada goela abaixo, caso quisessem viver deveriam
saciar a sede com aquilo que tinham.
Os hebreus não aceitaram e murmuraram. Se
era difícil se comportarem quando tudo corria bem, imaginem tendo naquela
situação caótica?
continua...
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