6ª MURMURAÇÃO. MOTIVO: RECLAMARAM DO MANÁ
O pior já havia
passado, pelo menos os hebreus imaginavam ou esperavam isto. Em questão de
tempo, o que temiam estava prestes a acontecer. Mas o que poderia tirar a paz
de todos em meio ao deserto? O que poderia afetar a comunhão com o Deus
Libertador, que esteve por vezes comprometida? O que era para ser uma viagem
tranquila, às vezes, tomava ares de terror, devido as consequências pelos erros
dos viajantes.
Os hebreus no
inicio da jornada apresentaram muita resistência para se adaptarem às mudanças
vivenciadas após a libertação da escravidão, pois aquela zona de conforto
pintada na mente de alguns nunca existiu. Aquela falsa sensação de segurança
proporcionada pelo Egito havia ficado para trás e a nova forma de alcançarem a
Terra Prometida era encararem de vez aquela realidade. A força para lutarem
deveria ser maior que o medo e a falta de vontade.
Deixaram para
trás o trabalho garantido, mesmo que forçado, moradias, mesmo que precárias e
comida, mesmo que raras e em quantidade duvidosa, mas agora estavam em pleno
deserto, sem algo para preencher o tempo, sem moradia fixa e sem alimentos, o
que poderia se esperar de um grupo grande de pessoas nesta situação? Um povo
ainda apegado a velhos costumes e totalmente sem fé.
Sede, fome, medo, solidão e falta de
perspectiva de mudanças. O quadro no deserto parecia o mesmo do tempo da
escravidão no Egito, no entanto, havia um diferencial, agora estavam livres,
amparados e guiados por Deus.
Depois de já terem alcançado marcantes
vitórias através do clamor de Moisés, queixaram-se novamente, sem saber que
isto poderia trazer sérias consequências. Deus faria arder o fogo de sua ira,
não pouparia ninguém e consumiria todos, a não ser que se arrependessem ou se
alguém clamasse por suas vidas.
A MURMURAÇÃO
Quando Israel
saiu do Egito uma grande parte de não hebreus aproveitou a oportunidade e os
acompanhou, motivados pelas operações, prodígios e maravilhas de Deus (Ex
12.37-38).
Talvez estes
estrangeiros não tenha acreditado em tudo o que viram e ouviram durante as
pragas, certamente não clamaram no início, mas quando viram as portas abertas
rapidamente se juntaram aos hebreus, porém não demorou muito para que aquele
grupo inflamasse o restante. Isto prova que a libertação da escravidão foi uma
benção incondicional, sem necessidade de fé.
Mais cedo ou mais
tarde aquela mistura acabaria revelando a sua parte tendenciosa e maldosa.
Demorou, mas a falta de vigilância hebraica culminou com as consequências.
Agora Israel entendia que era uma nação diferente de todas as outras e que jamais
poderia se misturar.
“E o vulgo, que estava no meio deles,
veio a ter grande desejo; pelo que os filhos de Israel tornaram a chorar, e
disseram: Quem nos dará carne a comer? Lembramo-nos dos peixes que no Egito
comíamos de graça; e dos pepinos, e dos melões, e dos porros, e das cebolas, e
dos alhos. Mas agora a nossa alma se seca; coisa nenhuma há senão este maná
diante dos nossos olhos” (Nm 11.4-6).
Três fatores
importantes devem ser considerados nesta murmuração:
- A lembrança da suposta abundância gratuita do
passado e a alma que secava diante do maná. Foram três tentativas para que
Moisés autorizasse o retorno ao Egito;
- A rebelião não surgiu exatamente dos hebreus e
sim foi fruto do ajuntamento dos estrangeiros que aproveitaram a oportunidade
de liberdade apresentada pelo “Eu Sou”. O veneno contaminou rapidamente e se
espalhou;
- O velho costume de se alimentarem em horários
definidos pelos egípcios ainda seduzia a todos. Por que não esqueciam? Será que
o som das grandiosas panelas do Egito era mais reconfortante que o cair
silencioso do maná sobre a terra? O cheiro do tempero dos opressores era mais
atrativo que o aroma do socorro que vinha de Deus?
- Agora o que se tornou imperdoável[1] foi
o fato de reclamarem do alimento enviado por Deus para socorrê-los. Como
tiveram coragem de dizer que suas almas secavam diante do socorro de Deus, se o
maná era enviado justamente para fortalecê-los.
Os olhos carnais
viam somente maná, por isto a alma secava, porém o quadro bonito pintado pela
história desde a saída do Egito mostrava outra realidade que não queriam
enxergar. As inúmeras intervenções de Deus eram evidentes e claras, mas
enxergavam somente aquela coisa miúda como recurso ou comida.
Nesta ocasião,
registraram nos anais da história as três maiores mentiras já ditas e defendias
entre os humanos. Para alguns teria sido melhor terem ficado servindo no Egito.
Pior foi quando disseram que havia carne e pão em fartura e que nunca pagaram
pela comida durante a escravidão. O conjunto de asneira foi encerrado com a
lembrança dos peixes, pepinos, melões, cebolas e alhos que estavam a disposição
deles (Ex 14.12; 16.3; Nm 11.5).
Aproveitaram a
oportunidade e expuseram a Moisés o desejo de comerem algo diferente, tipo
carne. Todos os dias colhiam, moíam, coziam e comiam o maná, isto cansou. Que
incomodo, que trabalho, não seria pior se tivessem que caçar, matar ou pescar?
Enfrentariam florestas, rios, mares e perigos.
Porém, dois
detalhes diferenciavam esta situação das anteriores, pois o líder exagerou em
um de seus comentários. Na ânsia de resolver o problema ou de se esquivar por
completo, Moisés errou ao apresentar a Deus o resultado de uma conta, uma
equação que ninguém na Terra seria capaz de solucionar.
Pelos seus
cálculos havia seiscentos mil homens de pé e como seriam saciados com carne por
um mês inteiro? No seu entendimento nem mesmo todas as ovelhas, vacas e peixes
do mundo inteiro seriam capazes de saciar a fome dos hebreus (Nm 11.13)
Moisés, no
primeiro momento, duvidou[2] que
o povo pudesse receber a tão solicitada carne, mas Deus não cobrou dele tal
como cobrou quando disse a infeliz frase: “porventura tiraremos água desta
rocha para vós” (Nm 20.7-12; Dt 3.23-26).
O segundo deslize
de Moisés foi quando cometeu um dos erros primários de qualquer líder
despreparado, que é o de monopolizar as atenções em torno de seu nome. Era um
instrumento de Deus em meio ao povo, mas não era o dono ou o único que poderia
resolver os problemas. Este conceito errado que brotava em sua mente deveria
ser mudado.
Isto não
significava que fosse um mau líder, apenas lhe faltou a percepção para separar
auxiliares. Se continuasse naquele pique, fatalmente sofreria um esgotamento
físico e mental ou o povo logo se cansaria.
continua...
[1]
Imperdoável ao nosso entendimento, pois Deus ainda concedeu o perdão a eles.
[2] O mesmo
erro foi cometido pelo capitão em Samaria (II Rs 7.2), que duvidou que o povo
pudesse ser saciado. Deus cobrou e muito. Ele foi pisoteado pela alegria dos
samaritanos quando receberam a bênção.