As instruções de Deus são de uma
simplicidade que chega a assustar. O que há de estranho ou extraordinário em o
homem deixar o seu pai e mãe para apegar-se à sua mulher? Na concepção da
Palavra, não existe nada que possa ser interpretado erroneamente ou de forma
parcial ou para o próprio favorecimento a não ser que o candidato à futuras
confusões tenha em mente que a possível tolerância de Deus lhe isentará destas certeiras
e inevitáveis consequências, entre as quais destaco: as decepções (Gn
16.5-6), desobediência (Gn 28.6-9), disputas (Gn 30.1-26), tristezas, choro (1
Sm 1.1-8), crimes inafiançáveis[1]
(2 Sm 11.1-27) e revoltas dos filhos e súditos (2 Sm 15.6; 1 Rs 12.1-33). Vejamos
alguns exemplos da simplicidade das ordens divinas:
“Portanto, deixará o varão o seu pai (único pai, grifo meu) e a sua mãe (única mãe,
grifo meu) e apegar-se-á à sua mulher
(única mulher, grifo meu), e
serão ambos uma (única carne, grifo
meu) carne” (Gn
2.24).
“[...] mas por causa
da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher (única mulher, grifo meu), e cada uma
tenha o seu próprio marido (único marido,
grifo meu)”. (1 Co 7.1-2)
“Vós, maridos, amai
vossa (única mulher, grifo meu) mulher [...]” (Ef 5.25; Cl 3.19)
Não há dificuldades aparentes que possam tirar
a paz ou atribular corações. Basta esperar a mulher certa e no momento
adequado, unir-se a ela nos laços matrimoniais. Uma simplicidade sem
precedentes.
Que alegria, quando este dia chega, pois o
noivo, ao lado da noiva, certamente dirá satisfeito: “Enfim, sós”! O exemplo
clássico que se encaixa neste pensamento foi o caso de Isaque, que aos quarenta
anos de idade (Gn 25.20), tomou Rebeca como esposa e honrou[2]
durante todos seus dias de vida. Certamente ele se sentiu realizado por ter
dito esta expressão uma única vez, mas isto não se tornava em garantia de
isenção de problemas, haja vista os inúmeros que teve, principalmente com seus
filhos Jacó e Esaú e com a própria esposa[3].
Sua satisfação foi por ter sido fiel às ordens de Deus:
“Portanto, deixará o varão o seu pai e
a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” (Gn 2.24).
A) O
HOMEM QUE USOU A RIQUEZA EM VEZ DA SABEDORIA
Com o decorrer da história dos hebreus encontramos
outro vulto, uma sumidade, que não se portou tal como Isaque, pelo contrário,
uma vez que usou de sua autoridade, poder, riquezas e sabedoria[4],
para selar seus inúmeros feitos matrimonias, os quais ficaram registrados nos
anais da história, tornando-o um dos maiores polígamos já vista na humanidade.
O rei Salomão não soube usar tudo o que
possuía. Começou bem sua caminhada, mas terminou mal. Ele se esqueceu
completamente das advertências de Moisés, através da Lei, as quais diziam
respeito ao futuro do povo e em especial ao dos reis (Dt 17.14-20), que seriam
levantados, tão logo a monarquia fosse instalada[5].
A Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal (BAP) em sua nota de rodapé (1 Rs 10.26;
11.2.3) esclarece a forma como o rei conseguiu arrebanhar e sustentar suas esposas e como mantinha todo o aparato monumental de sua corte.
“Ao
acumular carruagens e cavalos, um enorme harém e uma incrível riqueza, Salomão
violavas as ordens de Deus para um rei (Dt 17.14-20). Por que eram proibidos? O
Senhor sabia que estas atividades feririam a nação tanto política como
espiritualmente (1 Sm 8.11-18). Quanto mais luxuosa a corte de Salomão se
tornava, mas impostos o povo pagava. O pagamento excessivo de taxas criou um
desassossego, e logo as condições se tornaram propicias para um revolução.
Embora Salomão tivesse claras instruções da parte de Deus para não se casar com
mulheres estrangeiras, optou por desconsideras suas ordens. Não se casou apenas
com uma, mas com muitas que subsequentemente afastaram de Deus”. BAP (2003, p.
467).
Ele agiu em desconformidade com o que
Moisés havia apresentado como deveres dos reis que seriam eleitos em Israel,
aliás, “a maioria dos reis de Israel não deu atenção a esse aviso” (BAP, nota
de rodapé, Dt 17.16-17, p. 254). As quedas e perdas foram inevitáveis para tais
governantes.
“Tampouco
para si multiplicará (uma mulher
multiplicada por 1000, grifo meu) mulheres, para que o seu coração não se desvie
(consequência inevitável, grifo meu)
[...]” (Dt 17.17).
Salomão não somente multiplicou o número de
suas mulheres, como também elevou a última potência os seus problemas futuros.
Para onde foram os frutos destas relações? Que línguas falavam aquela multidão
de filhos? A corte de Salomão se tornaria ou se tornou, uma verdadeira Babel
caída (Gn 11.7)?
O mesmo foi atestado, anos mais tarde, pelo
grande governador Neemias (Ne 13.23-24), que não se conformava em ver, diante
de seus olhos, em plena pós reconstruída Jerusalém, uma infinidade de crianças
filhos dos desesperados[6]
judeus com mulheres asdoditas[7],
amonitas e moabitas[8],
com as quais não poderiam sequer manterem contatos[9],
não por discriminação, conflitos raciais, ideologismo partidário ou homofobia,
mas por questões doutrinarias, pureza da linhagem, para não perderem a identidade
nacionalista e religiosa, bem como para privá-los da idolatria e perversão
espiritual.
Tanto no caso de Salomão, quanto na
devassidão moral e espiritual encontrada por Neemias em Jerusalém, quem mais sofria
ou sofreu foram os filhos destas ilícitas misturas. Eles deveriam crescer
segundo os costumes e tradições judaicas, no entanto perdiam todas as
referências culturais e religiosas, justamente por serem testemunhas oculares dos
inevitáveis conflitos conjugais e étnicos. A influência das mães estrangeiras
era bem maior que a dos pais judeus (13.24), por isto a perda se iniciava pela
língua pátria. Em outras palavras, os filhos não estavam sendo educados no
caminho de Deus (Lv 20.7). No futuro, eles colheriam o fruto deste erro.
“E tinha setecentas mulheres, princesas, e
trezentas concubinas; e suas mulheres lhe perverteram o coração”. (1 Rs 11.3).
Setecentas mulheres princesas, abraçadas
por ele, que seriam sustentadas em sua corte com o dinheiro arrecadado dos
leais súditos e mais trezentas concubinas[10]
para mostrar aos seus vizinhos toda a sua sapiência em administrar tamanho e
nunca visto ajuntamento de esposas. Na verdade este grupo de mulheres, em vez
de se tornarem valorosas e edificarem seu reino, elas a destruíram, tanto
material quanto espiritualmente. Faltou a prática da sabedoria que Salomão
possuía. Josefo descreveu o estrago que estas “senhoras” causaram na vida do
sábio rei:
“A
voluptuosidade brutal do soberano, porém, o fez esquecer todos os seus deveres.
Chegou a desposar setecentas mulheres, todas de muito boa condição, entre as
quais estava, como já vimos, a filha de Faraó, rei do Egito. Possuía, além
dessas, trezentas concubinas. Sua paixão tornou-o escravo delas, e ele não pôde
deixar de imitá-las em sua impiedade. Quanto mais ele alcançava em anos, mais o
seu Espírito, enfraquecendo-se, se afastava do serviço de Deus e se entregava
às cerimônias sacrílegas da falsa religião. JOSEFO, (Livro 8, capítulo 2).
Esta animalesca vontade se mostrar ao
mundo, como um grande conquistador e administrador, tornou Salomão um
displicente rei, mesmo depois da grandiosa obra, por ele construída, o grande
Templo em Jerusalém, pois o povo carecia de cuidados. Eles esperavam ações
dignas de um rei levantado e permitido por Deus.
Que vergonhosa situação esta, que não ficou
somente na lembrança de seus súditos ou em sua geração, pois anos mais tarde, o
seu pecado foi lembrado por Neemias, quando repreendia os judeus quanto aos
vergonhosos casamentos mistos (Ne 13.26). Que belo exemplo usado pelo governador,
que bela forma de mostrar ao povo a influência negativa que este tipo de união
traz. Salomão, atendendo a pedido de suas mulheres chegou a seguir Astarote,
deusa dos sidônios, a Milcom, abominação dos amonitas e a Moloque, o deus de
barriga quente, que era alimentado pelos aberrantes vizinhos de Israel. Sabedoria
sem obediência é morta.
As princesas tomadas por Salomão, como
esposas, para manter a paz com seus vizinhos, resultado de seus acordos
políticos, poderiam ser, até certo ponto, aceitáveis, diante da animosidade que
havia na região, mas não setecentas. Em tese houve um exagero da parte dele.
Mas o que intriga nesta história, mesmo
sendo lícito[11],
foi a necessidade de trezentas concubinas, para que tanto? Por que privá-las de
sua vida, de seus sonhos, das possibilidades que poderiam surgir em suas vidas
para que tivessem suas famílias constituídas conforme as orientações de Deus
(Gn 2.24)? Estas questões nos surgem diante da definição do termo, concubina,
apresentada na seção “auxílios para o leitor”, na Bíblia Sagrada Nova Tradução
na Linguagem de Hoje (NTLH):
“Concubina:
moça, geralmente pobre, que um homem comprava dos seus pais ou aceitava como
pagamento de dividas ou tomava como prisioneira de guerra. A concubina tinha
direito a casa, comida e relações sexuais com o dono, que era considerado seu
marido. A concubina ficava em posição inferior à da esposa, porém não era
olhada com desprezo pelos outros, pois nos tempos do Antigo Testamento a lei
permitia (tolerava, grifo meu) que
um homem tivesse mais de uma mulher (Gênesis 25.6 e HARÉM).
Diante do exposto, como foi possível
Salomão dizer à qualquer uma de suas esposas ou concubinas: “Enfim sós”? Foi
impossível! O mesmo podemos dizer hoje? “Enfim sós”? Enfim estamos sós neste
mundo para servirmos a Deus com zelo, alegria, confiança e sempre certos da
vitória? Quando Adão e Eva ainda estavam no paraíso tiveram condições de
dizerem o mesmo? Talvez tenham dito, até o momento em que depararam com o
inimigo travestido de serpente.
A grande questão é que Deus poderia ter
colocado um impedimento ou guardas[12]
no jardim, para impedir a entrada do tentador, antes da queda ou então poderia
ter atribuído ao casamento poderes e condições para impedir toda e qualquer
ação maligna. Não foi esta a função do Éden, tampouco é a do casamento, haja
vista se assim o fosse, Salomão teria sido blindado contra qualquer tipo de
problema.
O Éden foi um presente de casamento, para
celebrar a institucionalização da família. O local ideal para viverem em
comunhão com o Criador e para cumprirem as ordens de Deus: “frutifiquem e
multipliquem” (Gn 1.27). Naquele ambiente o relacionamento entre o primeiro
casal foi favorecido.
Estamos rodeados por uma tão grande nuvem
de testemunhas (Hb 12.1), não estamos sós, já que somada a esta multidão
encontramos o Maligno, que está ao derredor bramando como leão procurando
alguns para tragar (1 Pe 5.8). Nossa missão é resistir a ele para sairmos
vitoriosos e para não sermos remetidos ao mesmo erro do casal pioneiro, pois a obrigação
de impedir a entrada e ação do Maligno é exclusivamente humana, cabe a cada um
de nós (Tg 4.7).
Salomão também não esteve só, mas em nenhum
momento pode recorrer a estas companhias para que seus problemas pudessem ser
resolvidos ou amenizados, mesmo porque elas nada poderiam fazer. Ele deveria
ter resistido, através do uso de sua sabedoria. Já de antemão deveria saber que
todas as suas ações o levariam a ruína, bastaria consultar a Lei e encontraria
a fundamentação teórica que o ajudaria a resistir. Ambientes favoráveis,
companhias importantes e ou influentes não nos imunizam contra o pecado. Quanto
mais proteção buscamos no humano e no material, mais desprotegidos ficamos. Que
nos diga o sábio rei de Israel.
Referências:
Bíblia de estudo aplicação pessoal. CPAD, 2003.
Bíblia Sagrada: Nova tradução na linguagem de hoje. Barueri (SP).
Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.
Bíblia Sagrada – Harpa Cristã. Baureri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil,
Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2003.
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. De Abraão a queda de
Jerusalém. 8ª Ed. Traduzido por Vicente Pedroso. Rio de Janeiro. CPAD,
2004.
[1] A
sentença de Deus foi a seguinte: “Israel verá a consequência do seu erro.
Fizeste em oculto, mas um de sua casa fará o mesmo debaixo deste sol” (Sm
12.11-12; 16.22).
[2]
Honra destinada a Rebeca como tipificação do amor de Jesus pela sua igreja.
[3]
Rebeca arquitetou o plano para que Jacó enganasse o pai e requisitou para si
toda a responsabilidade e consequências deste ato (Gn 27.6-13).
[4] Se
Salomão tivesse feito uso da sabedoria recebida de Deus certamente teria
atentado para os deveres dos reis antecipados na Lei pela profecia de Moisés,
mesmo antes da instalação da monarquia (Dt 17.14-20; cf Dt cap. 28).
[5] No
dia que Israel pediu um rei para ser tornar igual às outras nações, o profeta
Samuel quase rasgou suas vestes de tanta indignação (1 Sm 8.1-7).
[6]
Alguns judeus não foram capazes de esperarem em Deus o momento certo para
deixarem seus pais e mãe para se apegarem à uma mulher da mesma linhagem.
[7] Os asdoditas, moradores de Asdode, na Filistia (I Sm
6.17), berço de Dagom (I Sm 5.1-5). Eles roubaram a arca do concert, mas sofreram com as pragas e enfermidades
(I Sm 5.6-12).
[8] Amonitas e moabitas, nações fruto do incesto praticado
pelas filhas de Ló (Gn 19.36-37) que se tornaram ferrenhas inimigas de Israel.
Foram proibidas de adentrarem o Templo em Jerusalém (Dt 23.3-4) por não terem
socorrido os hebreus com pão e água durante a caminhada em direção à Terra
Prometida (Nm 22.1-6).
[9] Israel foi avisado desde a saída do Egito sobre o
perigo da mistura e envolvimento com os filhos e filhas de outras nações (Ex
34.10-16, cf Dt 7.1-4)
[10]
Amantes, conforme definição de Silveira Bueno (Minidicionário da Língua
Portuguesa).
[11] Poderia
ser licito, mas não era correto. Deus não aprovava, apenas tolerava.
Por: Ailton da Silva - Ano IV
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